Uma tese para a teoria da constituição digital: o conteúdo normativo do direito fundamental de acesso à internet e a constitucionalização do mundo híbrido

Abstract

Esta tese versa sobre o direito fundamental de acesso à internet e o seu papel na constitucionalização do mundo híbrido, entendido como o mundo resultante dos processos de transformação digital da sociedade. O trabalho discute a possível natureza fundamental do direito de acesso à internet, o seu conteúdo normativo na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais e como esse direito pode contribuir para promover a constitucionalização das relações no mundo da sociedade digitalizada no contexto teórico do constitucionalismo digital. Parte-se do pressuposto fático de que o direito fundamental de acesso à internet é um direito do mundo híbrido, que tem duas faces interrelacionadas: uma física e outra digital. Do ponto de vista teórico, a tese é desenvolvida no contexto da do constitucionalismo digital, corrente teórica contemporânea que busca descrever e explicar as respostas normativas aos problemas e riscos causados pela transformação digital da sociedade, por meio de uma constituição adequada a estes desafios (constituição digital). Com base na teoria dos direitos fundamentais, especialmente as teorias que tratam do conteúdo e das dimensões normativas desta espécie de direitos, e nas experiências institucionais brasileira e europeia sobre a regulação do acesso e do uso da internet, é realizada uma análise das regulamentações e decisões de tribunais constitucionais e cortes supranacionais, com o objetivo de conhecer o direito fundamental de acesso à internet e definir o seu conteúdo normativo, isto é, as suas limitações. Nesta análise, é constatado que o direito fundamental de acesso à internet tem, além de uma dimensão normativa subjetiva-individual, uma dimensão objetiva-institucional que vincula tanto as instituições públicas, como os particulares, assegurando o exercício do direito de conexão às redes físicas de banda-larga por meio de provedores de conexão, bem como o direito de acesso aberto à camada digital da internet por meio de provedores de aplicação. Além disso, viu-se que as posições jurídicas subjetivas e as limitações objetivas do direito fundamental de acesso à internet podem ser agrupadas em normas relativas à conexão à rede física, normas relativas à discriminação formal (técnica) e normas que tratam da discriminação substantiva (de conteúdo) na rede. A análise empreendida demonstrou que o reconhecimento do direito fundamental de acesso à internet como um direito autônomo em relação a outros direitos fundamentais que com ele se articulam (liberdade de expressão e direito à informação, principalmente) conduz à sua identificação como um direito de terceira geração, que busca assegurar o acesso universal a uma rede aberta e plural, não limitada ao exercício de liberdades individuais, mas também aos relevantes usos social, cultural, político e econômico. Finalmente, a tese afirma que o conteúdo normativo do direito fundamental de acesso à internet, como os de outros direitos fundamentais, não é fixo e imutável, estando sujeito a mudanças e evolução no tempo e no espaço, sendo os limites de alteração do seu conteúdo estabelecidos pelo processo democrático no legislativo e pelo controle de constitucionalidade limitado pelo exame da proporcionalidade

This thesis deals with the fundamental right of internet access and its role in the constitutionalization of the hybrid world, understood as the world resulting from the digital transformation processes of society. It discusses the possible fundamental nature of the right to internet access, its normative content from the perspective of fundamental rights theory, and how this right can contribute to promoting the constitutionalization of relationships in the world of digitalized society within the theoretical context of digital constitutionalism. It starts from the factual assumption that the fundamental right of internet access is a right of the hybrid world, which has two interrelated facets: one physical and one digital. From a theoretical point of view, the thesis is developed in the context of digital constitutionalism, a contemporary theoretical current that seeks to describe and explain the normative responses to problems and risks caused by the digital transformation of society, through a constitution appropriate to these challenges (digital constitution). Based on the theory of fundamental rights, especially theories that address the content and normative dimensions of this type of rights, and on Brazilian and European institutional experiences regarding the regulation of internet access and use, an analysis of regulations and decisions of constitutional courts and supranational courts is carried out, with the aim of understanding the fundamental right of internet access and defining its normative content, that is, its limitations. Through the analysis conducted, it is found that the fundamental right of internet access has, in addition to a subjective individual normative dimension, an objective-institutional dimension that binds both public institutions and private individuals, ensuring the exercise of the right to connect to physical broadband networks through connection providers, as well as the right to open access to the digital layer of the internet through application providers. Furthermore, it was seen that the subjective legal positions and the objective limitations of the fundamental right of internet access can be grouped into norms relating to connection to the physical network, norms relating to formal (technical) discrimination, and norms dealing with substantive (content) discrimination on the network. The analysis undertaken demonstrated that the recognition of the fundamental right of internet access as an autonomous right in relation to other fundamental rights with which it articulates (freedom of expression and right to information, mainly) leads to its identification as a third-generation right, which seeks to ensure universal access to an open and plural network, not limited to the exercise of individual freedoms, but also to relevant social, cultural, political, and economic uses. Finally, the thesis affirms that the normative content of the fundamental right of internet access, like other fundamental rights, is not fixed and immutable, being subject to changes and evolution in time and space, with the limits of alteration of its content established by the democratic process in the legislature and by constitutional control limited by the examination of proportionality.