Autonomia privada x vacinação: uma análise à luz da teoria dos sistemas complexos de Nniklas Luhmann

Abstract

A modernidade trouxe inúmeras conquistas, mas também diversos desafios. Com a evolução da sociedade estamental para sociedade funcionalmente diferenciada foram reveladas diversas tensões existentes entre as esferas individual e coletiva. Visando aplacar esse tensionamento, a sociedade adquiriu evolutivamente determinadas estruturas que buscavam conciliar posições jurídicas, com o intuito de preservá-las. Surgiram, nessa linha, os direitos subjetivos como mecanismos de conciliação entre a liberdade individual e o necessário respeito às posições jurídicas consolidadas. Como benefício adicional, os direitos subjetivos também culminam por oferecer um adequado tratamento ao risco, que se tornou a característica da sociedade moderna, a ponto de a denominarmos sociedade do risco. Entretanto, o tratamento do risco, paradoxalmente, impõe mais risco e este também deveria ser absorvido pelos atores sociais sob pena de inviabilizar a convivência comunitária. Por outro lado, os sistemas sociais de sentido evoluíram e se diferenciaram para oferecerem uma maior eficácia no cumprimento de sua função mediadora da comunicação social. Neste contexto, surgiu o sistema da saúde ou sanitário, que contempla a preservação da saúde como sua função precípua. Desta forma, a sociedade passou a entender a saúde não apenas como ausência de doença, mas a partir da preservação da própria saúde, mediante a aquisição de qualidade de vida. Avultaram, assim, os princípios da precaução e prevenção fazendo com que este sistema social desenvolvesse programas profiláticos de preservação e garantia da saúde. Neste cenário, se destacou o programa consistente na vacinação e os reflexos que este produziu no bojo do sistema sanitário. Esta programação efetivada de maneira acoplada ao sistema do direito pode adotar medidas indiretas e que não ofendam a incolumidade do corpo humano para que a população se sinta estimulada a proceder à imunização e enfrentar os riscos produzidos por esta política preventiva.

Modernity brought countless achievements, but also several challenges. With the evolution from stamental society to a functionally differentiated society, several tensions between the individual and collective spheres were revealed. Aiming to placate this tension, society evolutionarily acquired certain structures that sought to reconcile legal positions in order to preserve them. Along these lines, subjective rights emerged as mechanisms for reconciling individual freedom with the necessary respect for consolidated legal positions. As an additional benefit, subjective rights also offer an adequate treatment to risk, which has become a characteristic of modern society, to the point of calling it a risk society. However, the treatment of risk, paradoxically, imposes more risk and this risk should also be absorbed by social actors under penalty of making community coexistence unfeasible. On the other hand, the social systems of meaning have evolved and differentiated themselves to offer greater effectiveness in fulfilling their function as mediators of social communication. In this context, the health or sanitary system emerged, which contemplates the preservation of health as its main function. In this way, society came to understand health not only as the absence of disease, but as the preservation of health itself, through the acquisition of quality of life. Thus, the principles of precaution and prevention came to the fore, causing this social system to develop prophylactic programs to preserve and guarantee health. In this scenario, the program consistent with vaccination and the reflexes it produced in the core of the health system stood out. This program, coupled with the legal system, can adopt indirect measures that do not offend the safety of the human body so that the population feels encouraged to get immunized and face the risks produced by this preventive policy.